O papel do jornalismo é conferir se está chovendo

Foto de <a href="https://unsplash.com/@a2eorigins?utm_source=unsplash&utm_medium=referral&utm_content=creditCopyText">Alex Perez</a> na <a href="https://unsplash.com/pt-br/cole%C3%A7%C3%B5es/4715786/rain?utm_source=unsplash&utm_medium=referral&utm_content=creditCopyText">Unsplash</a>


As discussões sobre a portaria do governo federal que suspende o cronograma de implementação do Novo Ensino Médio (NEM) por 60 dias e a abertura de consulta pública para discutir o tema seguem, até o momento, o que é esperado em uma sociedade democrática. É legítimo que o novo governo queira avaliar políticas públicas das quais discorda. É legítimo que quem é a favor da medida se movimente para mantê-la.


Levar esse debate à sociedade de maneira qualificada, plural e com acuro jornalístico é a função, também democrática, do jornalismo, embora não só dele. 


Na sua coluna de ontem no Jornal da CBN, perto da hora do almoço, a jornalista Vera Magalhães abordou o tema. E um dos elementos que ela trouxe foi a resistência que parte do Congresso tem à revogação do Novo Ensino Médio (NEM), que, ao que parece, é a intenção do governo eleito. O ministro da Educação fala em avaliação e que “não é só simplesmente chegar e revogar”. (está aqui se vc quiser conferir) 


Ao abordar a divergência ela disse que a revogação não tem apoio do centrão, mas também tem problemas na base aliada, visto que foi implementada pelo governo do MDB que rechaça o argumento de representantes do atual governo e de entidades que o apoiam de que o tema não foi amplamente debatido, visto que foi implementado por Medida Provisória, mas foi aprovado pelo Congresso e que outras decisões importantes, como a criação do Fundeb e da Base Nacional Curricular também foram originadas por MPs. 


Não sou da área da educação e não posso opinar sobre a relevância de um Fundeb, de uma Base Nacional Comum Curricular e nem do Novo Ensino Médio, mas dito isso, normas que são tão centrais para a formação qualificada das pessoas, e do desenvolvimento de um país não deveriam ser discutidas por um instrumento que tem 120 dias para tramitar no Congresso Nacional. 


Mas o mais relevante de tudo isso, para mim, é o fato de a jornalista não ter apontado algo da maior relevância para o processo democrático: o fato de que o governo que implementou o Novo Ensino Médio não foi eleito para fazê-lo. Não foi eleito, inclusive. 


A Vera Magalhães lembrou na matéria que parte dos apoiadores do atual governo chamam o governo do ex-presidente Temer de golpista. Mas não disse que o Novo Ensino Médio, além de ter sido discutido por apenas 120 dias foi implementado por um governo que foi eleito com uma proposta muito diferente de educação, que não comporta o que traz a lei do Novo Ensino Médio. 


Sim, Michel Temer, que foi quem encaminhou a MP que criou o NEM, foi eleito pelo voto popular, vice-presidente em uma chapa que debateu durante a campanha uma proposta de educação muito diferente do que está abarcada pelo Novo Ensino Médio. Havia promessas e ações adotadas pela presidente e pelo vice ao longo do primeiro mandato deles e da campanha eleitoral que os reelegeu que eram frontalmente contrárias à concepção de educação que representa o NEM. Havia valorização do ensino técnico superior, com criação e fortalecimento dos Institutos Federais, a troca de conhecimento com faculdades internacionais, com o Ciências Sem Fronteira, o Exame Nacional do Ensino Médio ampliou e diversificou o acesso aos cursos superiores federais, o governo fomentou parcerias com outros países, como Portugal, que passaram a adotar o ENEM como instrumento de acesso. Essas medidas são incompatíveis, por princípio, com as medidas trazidas pelo Novo Ensino Médio. 



Há uma frase, atribuída ao professor da Escola de Informação da Universidade de Sheffield,  Jonatha Foster,
que diz “Se uma pessoa diz que está chovendo, e outra diz que não está, a obrigação do jornalista não é citar os dois lados, mas olhar pela janela e descobrir a verdade.”


Portanto, se alguém diz, em uma democracia, que uma norma foi amplamente debatida com a sociedade e outra diz que não, a função do jornalista não é reproduzir o que os dois lados dizem. É conferir se foi ou não amplamente debatida. 


Ps.: Last but not least, esse debate deve ser apropriado por todas e todos. O fato de eu achar o Luciano Hulk incapaz para governar o país ou ser ministro da educação, não retira dele – e nem de qualquer um que viva em uma sociedade democrática, o direito de se manifestar sobre qualquer assunto que lhe diga respeito ou não, e neste caso diz respeito a todo mundo. Se eu vou ouvir o que ele fala ou não, é uma escolha minha. É assim que funciona na democracia.


Juliana Oliveira

Foto de Alex Perez na Unsplash

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