O Governo Federal estuda extinguir o seguro-desemprego




O Governo Federal mantém um grupo, desde 2019, que estuda novas mudanças nas leis trabalhistas. Esse grupo, em dezembro do ano passado, apresentou, em uma reunião interministerial, um estudo que propõe o fim do Seguro-Desemprego. O tema foi assunto esta segunda-feira (28/3) de matéria no Correio Braziliense.

 

Segundo a sugestão, o seguro deixaria de existir e o trabalhador demitido também não receberia os 40% sobre o valor do FGTS.

 

A empresa repassaria esse valor ao governo que, via FAT, abasteceria as contas de trabalhadores que recebem até 1,5 salários-mínimos. Os valores depositados seriam proporcionais ao salário.

 

Para quem recebe salário-mínimo, o percentual depositado, via FAT, seria de 16%. Mas esse depósito não seria, assim, para sempre. Não. O aporte duraria 30 meses, quando o empregado teria depositado algo como 7,2 salários.

 

Então, a “poupança” seguiria apenas com a contribuição patronal, aquela de 8%, que já existe hoje. Ao completar 12 salários-mínimos nesta conta, o empregado poderia sacar o excedente, os 8% de depósito mensal. E caso fosse demitido, poderia sacar essa poupança, que é sempre de 12 salários.

 

É uma conta complexa, mas duas coisas são fáceis de entender: o trabalhador demitido sem justa causa não terá mais, sob nenhuma hipótese, acesso ao seguro-desemprego e também não terá acesso aos 40% da multa do FGTS, que continuarão a ser pagos pela empresa, mas ficarão para o Estado mesmo.  

 

O estudo apresentou como referência a trabalho de dois pesquisadores da UFRGS, que analisaram dados do acesso ao seguro-desemprego entre 2008 e 2014.  Segundo o documento, “Evidências sobre manipulação de regra e risco moral no programa seguro-desemprego brasileiro”, há uma propensão das pessoas que estão recebendo o auxílio a não procurarem emprego. 

 

Outro argumento trazido pelo governo para justificar a mudança é que ele fomenta a informalidade, visto que a pessoa, para não parar de receber o benefício, trabalharia na informalidade enquanto o estivesse recebendo, acumulando salário mais benefício. O que é crime de estelionato.

 

O governo também alega, e o estudo dos pesquisadores da UFRGS constata, que o seguro-desemprego incentiva a rotatividade no emprego e a não qualificação profissional, que leva à baixa produtividade. Os trabalhadores ficariam no emprego apenas pelo tempo necessário para conquistar o direito ao seguro. Com isso, empregadores não investiriam em capacitação com vistas à retenção de mão-de-obra, fazendo girar um círculo desvirtuoso de baixa produtividade.

 

É importante destacar que a reforma trabalhista de 2017 - que previu a criação de 6 milhões de empregos, mas não criou nenhum - já havia alterado o seguro-desemprego, dificultando o acesso e reduzindo o número de parcelas a que  o beneficiário tem direito.           

 

Os argumentos não merecem prosperar. 

 

Primeiro porque o estudo referência analisou os períodos de 2008 a 2014, período em que a taxa de desemprego atingiu os menores patamares da sua história, como pode ser visto aqui, aqui e aqui. É mais razoável supor que as pessoas se sintam seguras para deixar seus trabalhos quando sabem que não haverá dificuldade em encontrar outro. E depois da reforma de 2017, o salário a receber é sempre menor que o atual, exceto se for o salário-mínimo, que daí fica na mesma.  Mas no Brasil de hoje, em que há 12 milhões de desempregados, 5,3 milhões de desalentados e a renda média caiu 10,7% no último     ano, não nos parece que os resultados seriam os mesmos. 

 

Sobre o programa fomentar a informalidade, porque as pessoas estariam dispostas a cometer crime de estelionato, é papel do Estado fiscalizar o correto cumprimento do programa. O combate ao crime é dever do Estado. O país é pródigo em fiscalizar desvio de pagamento de impostos, como deve ser. Por que não pode construir uma inteligência de fiscalização adequada para combater fraudes? É preciso parar de construir políticas públicas para combater fraude, que é a exceção. A regra é as pessoas serem demitidas sem justa causa e, portanto, inesperadamente, e precisarem de um suporte financeiro enquanto buscam outro trabalho.

 

Quanto ao tempo de recolocação, em março deste ano, o Correio Braziliense nos informou que o tempo médio para uma recolocação reduziu, mas fica em torno de 12 meses. Hoje, o máximo de parcelas de seguro que o desempregado pode receber são 5. Ou seja, faltam 7 meses de salário. É arriscado deixar de trabalhar para receber benefício. Mas o governo acha que tem muita gente fazendo essa aposta.

 

Além de tudo isso, há o mais importante: o seguro-desemprego deve fomentar a qualificação profissional. Está lá no art. 3, VI da Lei que o regulamenta. É também a defesa dos pesquisadores da UFRGS. Eles alegam que o problema do programa é a dissociação do seguro com políticas de capacitação profissional. 

 

É preciso pensar em políticas de valorização financeira e cultural do trabalho, fomentar a educação, formação e qualificação profissional. Pensar políticas públicas com soluções sólidas e consistentes para a geração de emprego e renda. Para que os trabalhadores não fiquem reféns de mais uma reforma trabalhista que retire direitos e não entregue os empregos prometidos.

 

Juliana Oliveira, jornalista e profissional de advocacy 


Foto de Yawer Waani na Unsplash

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